Opinião

Gás Natural no Brasil – até que ponto o gargalo é regulatório?

As questões envolvidas na migração de um modelo monopolista para um de plena competição no país

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Introdução

Em época de COVID-19 e isolamento social, a opção foi a da realização de diversos Webinars para propiciar o diálogo técnico entre os diferentes atores da sociedade. Dentre os temas discutidos, um dos mais importantes foi a questão do gás natural.

Realçada pelo potencial do pré-sal e pela necessidade de expansão de infraestrutura, extremamente bem-vinda para a retomada do crescimento da economia no pós-pandemia, a questão ganhou espaço nacional, principalmente depois que o governo federal reiterou a importância do gás natural a preços acessíveis para auxiliar o desenvolvimento da indústria no pós-crise e vem se dedicando a acelerar o trâmite do PL 6.407/2013 no Congresso Nacional.

A Questão Regulatória

O referido PL trata de medidas para fomentar a indústria do gás natural e se propõe a aperfeiçoar a Lei nº 11.909/2009, a chamada Lei do Gás. Nele estão postas questões ainda em aberto, como critérios para preços e reajustes de tarifas para uso de UPGN´s[1] e terminais de regaseificação, mercado secundário de gás natural, a criação de um Operador Nacional do Gás Natural e redução de tributação.

Observe-se que a justificativa do PL, conforme expressa nos documentos que o apresentam ao Congresso, menciona que uma aguardada competição setorial em prol da inserção do gás na matriz energética ainda não tinha ocorrido em 2013. Aliás, como ainda não ocorreu até o momento, mesmo com a produção do pré-sal em plena expansão e a reinjeção de gás natural já superando o volume importado.

A mesma justificativa, apresentada no PL, expressa que a literatura internacional atesta que uma empresa detentora de monopólio de transporte, que também atua nas pontas de produção e consumo, como ocorre no Brasil, tem grande incentivo para impedir ou dificultar o surgimento de competidores. Ora, há lógica nisso! Que empresa abriria mão de mercado cativo, em que é possível estabelecer preço não em função de custos, mas em função da capacidade de pagamento da sociedade?

O papel da empresa é compreensível, mas, sendo identificado prejuízo para a sociedade no exercício dessa atuação no mercado, cabe às autoridades em exercício coibi-lo. E isso foi feito no ano passado, quando o CADE, órgão de defesa da concorrência, celebrou com a Petrobras um Termo de Cessação de Conduta (TCC), em que a estatal se comprometia a abrir espaço para novos carregadores no Gasoduto Brasil-Bolívia (até então plenamente ocupado por carregamentos da empresa), a não adquirir gás natural dos seus parceiros em projetos de E&P e a desinvestir de parte de seus ativos de transporte e distribuição, inclusive de suas participações em distribuidoras estaduais.

Ocorre que a migração de um modelo monopolista para um de plena competição não é simples. Ela enseja uma série de questões que vão desde o repasse da assunção de riscos assumida pelo agente monopolista até a mitigação de uma possível troca de um monopolista estatal por um monopolista privado.

No caso das distribuidoras estaduais, isso irá ocorrer porque, mesmo com o desinvestimento da Petrobras, elas continuarão a ter monopólios geográficos decorrentes de concessões estaduais[2], cujos prazos contratuais variam de 30 a 50 anos.

A solução até então aventada pelo governo federal, denominada Plano Mansueto, foi a de considerar a desestatização das distribuidoras estaduais como um possível requisito para o suporte federal para recuperação fiscal dos estados. Mesmo assim, a regulação das tarifas continuaria regida pelos estados.

Ocorre que as vendas realizadas por distribuidoras de derivados e de gás natural trazem consigo uma carga fiscal relevante para as arrecadações estaduais. Que agência reguladora ou secretaria estadual atuaria para reduzir drasticamente o preço de qualquer tarifa, sendo a arrecadação estadual uma percentagem dessa tarifa?

Para estados em dificuldades fiscais, é difícil a redução de arrecadação que, ao fim e ao cabo, é proporcional ao preço do produto. Quanto maior o preço do energético, mais tributo em valor nominal se arrecada.

Nesse contexto, o único trade off possível é o da redução de preços e tarifas na medida necessária para a atração de novos investimentos e ampliação do mercado. Reduzir-se-ia o valor unitário para vender mais e, dessa forma, ganhar na escala.

É o caso do Rio de Janeiro que, consumindo apenas 15% da produção do estado, assume uma vanguarda regulatória na intenção de viabilizar mais negócios e, dessa forma, ampliar sua base arrecadatória.

A análise da atuação de estados como Rio de Janeiro e São Paulo (os dois maiores consumidores do país) vai deixando claros seus interesses e diferenças de consumo de gás. Ambos contam com a regulamentação do consumidor livre, mas o Rio de Janeiro apresenta uma tarifação específica para o consumidor padrão e uma para o consumidor livre, além de tarifação progressivamente benéfica para grandes consumidores. Já São Paulo tem alíquota fixa para grandes consumos a partir dos 150 milhões de m3/mês. Salvo melhor juízo, essa diferença já mostra a intenção do Rio de Janeiro de atrair grandes consumidores como as térmicas, por exemplo, que costumam ancorar projetos de infraestrutura.

Outro caso interessante é o do estado da Bahia, tradicional estado produtor de petróleo e gás natural que, em maio de 2020, consumiu duas vezes a produção do estado e regulamentou a figura do consumidor livre, buscando ampliar o fornecimento de gás natural. Pouco gás associado à perspectiva de demanda apontam para a oportunidade de ampliação de infraestrutura e para o uso do gás produzido no Sudeste ou mesmo para a importação de GNL (a Golar já foi autorizada pelo MME a importar até 5,5 milhões de m³ /dia de GNL na Bahia). Não parece à toa, portanto, o interesse de importantes players do mercado pela terceirização da operação do terminal de regaseificação baiano, pretendida pela Petrobras.

Os casos acima destacados vão deixando claro que, mesmo aguardando o trâmite do PL 6.407/2013, a regulação em curso já permite que sejam os interesses negociais das empresas, principalmente os da Petrobras (principal player do setor), os principais elementos para o atingimento dos objetivos públicos anunciados.

A expectativa dos preços acessíveis, anunciados pelo governo federal

Em uma indústria ainda praticamente monopolista e praticante de preços elevados (segundo a visão do próprio governo federal), vai ficando claro que será a introdução de novos agentes no mercado, e a competição entre eles, que viabilizará a adoção da paridade gás-gás no país, tornando o preço do gás natural mais acessível.

A título de ilustração, a figura abaixo apresenta a evolução do preço da molécula[3] vendida às distribuidoras, para contratos da Nova Modalidade Firme Renegociada. Na mesma figura consta a evolução do preço FOB do GNL spot no Brasil. Observe-se que, enquanto o preço da molécula caiu quase 10% entre janeiro de 2020 e janeiro de 2019, o preço do GNL importado caiu 47%.

Nesse sentido, merece destaque estudo do BNDES, que foi bastante feliz em apontar que há bastante espaço para crescimento da demanda industrial por gás natural, inclusive como matéria prima, mas que para isso esse gás teria que chegar na porta das fábricas entre US$ 5 e 8/MM BTU (em abril era de US$ 11,2775/MM BTU para a faixa de consumo industrial de 50.000 m3/dia, segundo MME).

É fácil concluir, portanto, que caso não sejam alcançados  preços do gás que possam contribuir para a competitividade da indústria, o consumo industrial do energético não se ampliará na medida do seu potencial e o país não se beneficiará do seu mercado interno nem maximizará seu potencial de geração de emprego e renda.

[1]Unidades de processamento de gás natural

[2] As distribuidoras de gás natural exercem a distribuição através de contratos de concessão assinados com agências reguladoras estaduais (quando elas existem) ou outro ente da administração pública estadual, em geral secretaria estadual de energia.

[3] Vide relatórios de acompanhamento do gás natural, publicados pelo MME.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]

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