Opinião

Paradoxos da transformação digital

Apesar de reconhecido pelas inovações, o setor de O&G é um dos mais atrasados quanto a uma mudança de paradigma técnico-econômico

Por Telmo Ghiorzi

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O mundo passa por uma nova revolução industrial e mudança de paradigma técnico-econômico. Este tipo de descontinuidade habilita oportunidades para países emergentes realizarem avanços radicais em inovações e, portanto, em crescimento econômico. A indústria brasileira, entre elas a de petróleo e setores associados, tem os ingredientes para “surfar” essa onda e realizar esses avanços. Contudo, há paradoxos que precisam ser mais bem compreendidos e tratados, pois as janelas de oportunidade ficam abertas por tempo limitado.

Um dos paradoxos a ser compreendido diz respeito à velocidade da transformação digital no setor de Óleo e Gás (O&G). Apesar de o setor ser reconhecido por seu arrojo em desenvolvimento de inovações, pesquisas realizadas pelas maiores consultorias do mundo indicam que ele é um dos mais atrasados neste processo. Situação similar é observada também no setor de Engenharia e Construção (E&C), com o atraso ainda mais acentuado sendo confirmado por expressiva quantidade de estudos acadêmicos, além das constatações obtidas pelas consultorias. Estes setores estão intimamente relacionados, pois, além de serem atividades realizadas localmente, a infraestrutura de produção de petróleo requer intensa atividade do setor de E&C.

O atraso observado não é exclusivo do Brasil. O mundo inteiro o enfrenta. Ele é, todavia, provisório e ilusório. Há diversas iniciativas em curso em outros países, com o propósito de avançar na transformação digital em todos os setores industriais, inclusive O&G e E&C. O novo patamar de produtividade que decorre da Indústria 4.0 impõe a adoção de suas ferramentas como condição de sobrevivência.

A se perpetuar este atraso no Brasil, o potencial de avanços pode transformar-se em estagnação e retrocesso, com efeitos até mesmo sobre o crescimento da produção de óleo e gás. Exemplo extremo desse fenômeno pode ser observado no que ocorre com a Venezuela.

Outro paradoxo a ser explorado refere-se ao capital intelectual. Há notícias recorrentes e simultâneas de que o Brasil enfrenta fuga de cérebros e de que faltam ao país profissionais qualificados para realizar os avanços da Quarta Revolução Industrial. A solução trivial seria inverter esse movimento. Seria simples, se os cérebros saindo contivessem o mesmo capital intelectual dos cérebros em falta. Embora uma feliz coincidência possa ocorrer em situações específicas, dificilmente a contabilidade geral fecharia.

O Brasil precisa formar, com urgência, os profissionais com as competências necessárias para a transformação digital de sua indústria, incluindo os setores de O&G e de E&C. Porém, é preciso evitar que o capital intelectual a ser construído siga o mesmo destino dos cérebros hoje em fuga. Se o fazem, é porque encontram fora do país o abrigo e o retorno correspondente às suas qualificações. O que força a conclusão de que não basta educação. Ela é condição necessária, mas insuficiente. Se não houver no país as condições para retenção do capital intelectual sendo formado, é provável que o Brasil passe a exportar o principal recurso de sua transformação digital.

Esse indesejável paradoxo ainda não está ocorrendo, mas o risco está à espreita. Para reduzi-lo, evidências apontam para a necessidade de articular empresas e estados e estimular exportação não apenas de petróleo, mas sobretudo de bens e serviços, incluindo serviços de E&C e da cadeia produtiva de O&G. A transformação digital, um imperativo indiscutível, parece ser naturalmente indutora de mudanças que podem levar o setor brasileiro de O&G e, por extensão, de outros setores econômicos, a serem exportadores de tecnologia, em vez de exportadores de capital intelectual ou de produtos de baixo valor agregado.

Contudo, a ameaça de que os paradoxos prevaleçam e impeçam avanços é robusta. Enfrentá-la requer compreensão profunda da dinâmica econômica da revolução em curso e ações com robustez correspondente à ameaça.

Telmo Ghiorzi é Doutor em políticas públicas e engenheiro

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