Opinião

Bolhas explodem

No setor elétrico brasileiro, a bolha cresce devido à intervenção do Poder Legislativo em temas eminentemente técnicos, de natureza regulatória. Se estivéssemos no rumo certo, o Congresso aprovaria medidas para diminuir – não para aumentar – o cipoal de subsídios contraproducentes, que manietam a produtividade do país

Por Jerson Kelman

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A crise da economia mundial em 2008 surgiu com o estouro da bolha de títulos hipotecários nos EUA, resultante de abusos perpetrados contra um negócio lucrativo e seguro: numa ponta, as famílias interessadas em conseguir empréstimos para a compra da casa própria; na outra, os investidores; no meio, os agentes financeiros.

Num ambiente bem regulado, uma desaceleração da economia resultaria em redução quase simultânea da demanda, do rendimento dos investidores e da remuneração dos agentes financeiros. Porém, como o setor estava mal regulado, os agentes financeiros mantiveram artificialmente a “euforia de ganhos”, aceitando tomadores de crédito incapazes de pagar pelos financiamentos. Quando efetivamente não pagaram, os agentes financeiros tomaram posse dos imóveis, mas não conseguiram revendê-los porque a demanda “saudável” era muito menor do que a oferta. Sem liquidez, não foi possível remunerar os investimentos e muito menos restituir o principal. Aí a bolha explodiu.

Esse desenlace só ocorreu porque agentes inescrupulosos tiveram poder para privilegiar ganhos de curto prazo, desconsiderando os efeitos sistêmicos de médio e longo prazo. Situação semelhante (mas não idêntica) à que vivemos hoje no Setor Elétrico, acossado pela aliança entre lobbies e alguns parlamentares para a criação ou perpetuação de desnecessários privilégios e subsídios que beneficiam poucos à custa de muitos.

A bolha financeira nos EUA foi formada pela não intervenção do Estado em situações em que a intervenção era necessária. Já no caso do setor elétrico brasileiro, a bolha cresce devido à contraproducente intervenção do Poder Legislativo em temas eminentemente técnicos, de natureza regulatória.

Quando foram criados, alguns dos subsídios serviram para incentivar a adoção de novas tecnologias. Por exemplo, a Geração Distribuída – GD por placas fotovoltaicas, quando eram poucas e caras. Porém, hoje são subsídios desnecessários e injustificáveis que subsistem porque foram transformados em obrigações legais. Ângela Gomes (diretora da PSR) e eu dissemos, num artigo publicado pela Folha de São Paulo (Injustiça Elétrica, 17/09/2023), que uma empresa ou família com recursos para aderir à GD recebe em média um subsídio 14 vezes maior do que uma família carente com direito à tarifa social.

Não se trata de demonizar os que possuem GD. Primeiro, porque são pessoas físicas e jurídicas que legitimamente se orgulham de produzir a própria energia de fonte renovável. Segundo porque quase todas desconhecem que são parcialmente sustentadas pelos demais consumidores. Não se dão conta que participam de um Robin Hood às avessas, ainda que involuntariamente.

Rodrigo Santana, Leonardo M. Monasterio e Thiago C. M. Caldeira, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP, realizaram um estudo para avaliar se de fato os subsídios dados à GD são regressivos (Revista do Serviço Público (RSP), Brasília, out/dez 2023). Eles investigaram os subsídios implícitos dados apenas a pessoas jurídicas de Minas Gerais e concluíram que “o modelo econômico atual empregado no mercado de geração distribuída de energia elétrica está beneficiando as maiores empresas, em detrimento das menores”.

Trata-se de mais uma evidência de que estamos aumentando o tamanho da bolha. Se estivéssemos no rumo certo, o Congresso aprovaria medidas para diminuir – não para aumentar – o cipoal de subsídios contraproducentes (os que beneficiam a GD é apenas um deles), que manietam a produtividade do país.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, formada por organizações da sociedade civil atuantes na defesa dos pequenos e grandes consumidores, tomou uma iniciativa para tentar impedir o crescimento da bolha. Organizou um “ranking” de parlamentares em função do comportamento de cada um, se alinhado ou não com a meta de dotar o país com um serviço de eletricidade barato e confiável. A expectativa é que a maior transparência induza os parlamentares a votar com maior atenção e consideração pelos interesses dos consumidores. Tomara!

 

Jerson Kelman foi diretor-geral da ANEEL, presidente do Grupo Light e interventor na Enersul. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.

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