Opinião

As baterias terão espaço no setor energético nacional

Os sistemas integrados de baterias de íon de lítio são montados em forma de contêineres e a expectativa internacional é de uma redução de 50% nos custos dessa tecnologia na próxima década

Por Wagner Victer

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Com a crise energética vivenciada no Brasil no início dos anos 2000, também conhecida como "apagão", o país começou a vivenciar a modificação da sua matriz energética. Como uma das estratégias à época, foi lançado o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia pela Lei Federal 10.438/2002, conhecido também como PROINFA. Na ocasião, como então Secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo, participamos ativamente da discussão dessa nova legislação, até porque também se iniciava um forte movimento em relação à importância das energias limpas, ao mesmo que confrontadas com a necessidade do rápido complemento da geração de energia elétrica, basicamente suportado por um programa prioritário para implantar termelétricas a gás. Nesse cenário foi fundamental desenvolvermos novas tecnologias, em bases competitivas, para complementar ou até compensar as emissões que viriam.

O foco do PROINFA se colocava em três fontes: a retomada das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que tiveram grande participação no início da geração elétrica brasileira, a geração de energia elétrica a partir da biomassa e as energias eólicas, que eram consideradas pouco competitivas.

O fato é que a estratégia adotada na ocasião, de estabelecer compra de energia para "projetos piloto" em até 1100 MW para cada uma dessas fontes, conseguiu iniciar a parametrização para torná-las fontes bastante competitivas atualmente.  Aliás, os preços praticados hoje eram considerados inimagináveis no passado e foram obtidos, em grande parte, a partir do avanço tecnológico, especialmente na geração eólica.

O setor elétrico brasileiro sempre foi bastante complexo. É um sistema continental interligado e gerenciado a partir de quatro subsistemas com características próprias de demanda e de potencial de geração. Cada um desses subsistemas tem potencialidades distintas para as diversas fontes, não só as tradicionais hidrelétricas ou um potencial geração de origem fóssil, mas também para as energias renováveis. Basta ver os dados recentemente apresentados pela ABSOLAR, que aponta cerca de 25 GW de geração de fonte solar (um crescimento de 70% em apenas um dos recentes anos) que obrigatoriamente nos lança a outros desafios diante das intermitências que essas fontes possam gerar ao longo das estações do ano, e até ao longo do dia como no caso da solar.

O crescimento de fontes, especialmente a solar, gerou alguns problemas de maneira não controlada em outros países, como o clássico caso da Espanha, onde alguns subsídios foram abruptamente retirados e até aplicadas taxações não previstas. A inteligência lógica na aplicação das diversas fontes será fundamental para ter um sistema cada vez mais saudável e que fique menos sujeito às variações e comportamentos que nos levaram aos riscos do passado, onde os reservatórios chegaram a níveis extremamente baixos.

Historicamente, o armazenamento de energia no Brasil se fez de maneira prioritária através dos níveis dos grandes reservatórios das hidrelétricas, onde muitos deles operavam em reservas plurianuais e que diante da falta da expansão da geração e transmissão no setor elétrico, aliado a comportamentos pluviométricos abaixo das séries históricas, como aliás aconteceu de novo cerca de três anos atrás, levaram a momentos de muita preocupação no país. Cada vez mais esses cenários têm sido um grande desafio, o que faz com que não busquemos somente um potencial de geração de base térmica, mas também o desenvolvimento de outras formas de complemento para compensar essas flutuações.

Recentemente, assistindo ao Trabalho de Conclusão de Curso de um graduando em Engenharia na Escola Politécnica da UFRJ, despertou-me muito interesse e atenção uma nova solução: a aplicação de sistemas de baterias, já utilizados em outros países, para complementar sistemas de geração flutuantes de fontes alternativas.

Nessa nova tecnologia há desafios concretos para viabilizar os sistemas de estocagem por baterias de íons de lítio, que podem ser aplicadas associados a muitos subsistemas, e não só no Nordeste, onde existe forte geração de base solar, mas também próximo a sistemas de demandas, como Sudeste/Centro-Oeste. Desafios diversos ainda devem ser percorridos, porém não estão afetos a restrições de infraestrutura, até porque esses projetos ocupam muita pouca área e podem ser facilmente localizados perto de subestações receptoras de 138kV, e são de fácil licenciamento ambiental pelo baixíssimo espaço ocupado e baixos impactos.

Os sistemas integrados de baterias de íon de lítio são montados em forma de contêineres, e, tal qual prevíamos com eólicas e sistemas solares há mais de 20 anos, certamente terão espaços concretos na matriz energética brasileira. Na próxima década, a expectativa internacional é uma redução de 50% nos custos dessa tecnologia.

Destaco que ainda há pouca literatura e raros estudos desenvolvidos focados no Brasil como esse que pude observar na apresentação do jovem engenheiro e que, certamente, será um foco para o futuro para os desenvolvedores de soluções, empresas de energia e até as próprias oil companies.

Atualmente já existem plantas de baterias muito significativas em diversos locais do mundo, como no Chile, onde foram anunciadas, em novembro, uma planta de 34 MWh integrada a um projeto eólico e outra de 32 MWh integrada a um solar, além dos sistemas semanalmente instalados ao longo dos Estados Unidos e da Europa, que demonstram que é uma tendência natural que trará benefícios em breve e que requer toda atenção.

Outro desafio para viabilizar os eventuais leilões de projetos pilotos será a redução, pelo menos temporária, da carga tributária existente para internalizar esses tipos de baterias íon lítio. Atualmente superam a faixa de 70%, o que retira a economicidade desses projetos, onde o capex tem forte participação. No âmbito dos Estados da Federação fica até mais fácil criar mecanismos para a redução do ICMS, porém os impostos necessários à internalização, em especial o Imposto de Importação (II) e o Imposto de Produtos Industrializados (IPI), devem ter algum sistema temporário de isenção como incentivo dessa nova base de suporte à geração.

É claro que esses sistemas devem ser validados e receber ainda uma regulação própria e entrar no Planejamento Energético Nacional, não somente como sendo um mero viabilizador de uma operação para "pegar energia em momentos mais baratos e guardar para vender em momentos com valores mais elevados", mas também valorizando todas as externalidades e os benefícios que conseguem trazer de equilíbrio e qualidade ao próprio sistema elétrico, ao desenvolvimento contínuo das fontes renováveis e, principalmente,  como mais uma alternativa tecnológica para o suporte efetivo ao  processo de transição energética no país.

 

Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e Ex-Conselheiro do CNPE

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