Opinião

O contexto global somado a questões locais podem atrasar a abertura efetiva do mercado de gás no país

Por Bruno Armbrust

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Apesar das lacunas deixadas na Lei do Gás, o processo de abertura do mercado avança, como visto no recente seminário Gás & Energy Week ocorrido no Rio de Janeiro, em agosto de 2022.

Os avanços mais evidentes estão do lado da oferta, onde se verifica uma redução da participação da Petrobras no mercado de gás. Porém, ainda assim, o Brasil está longe de ter uma multiplicidade de agentes capaz de dar liquidez às transações, elementos necessários para a existência de um hub local.

Com relação ao contexto global, a disparada dos preços está levando à busca de contratos de longo prazo, de forma a mitigar a volatilidade atual. Em 2022, contratos com prazos entre 5 e 10 anos cresceram de forma considerável em nível mundial, em detrimento de contratos de prazos menores. Por aqui também se vê a Petrobras ofertando gás em contratos com prazos próximos a 10 anos, que poderão atrasar a abertura do mercado de gás no país.

Apesar disso, contratos recentes de fornecimento de GNL de longo prazo estão sendo firmados em bases superiores a 14% do brent (ex ship).

Outro fato interessante é que, apesar da ainda predominância do brent como indexador dos contratos, se verifica um maior volume de contratos de longo prazo com indexadores híbridos, em detrimento de contratos com referência a hubs de gás, como TTF e JKM, dentre outros, que vem sofrendo maior volatilidade.

Deixando de lado o contexto mundial, por aqui alguns fatores precisariam ser priorizados para encurtar o caminho para uma efetiva abertura do mercado de gás e possibilitar transações diretas entre comercializadoras e os usuários finais.

Em 1º lugar, o transporte onde a complexidade dos contratos de capacidade de transporte e a pouca transparência em relação ao preço final dificultam a contratação do gás diretamente pelos usuários finais que, diante desse cenário, preferem ficar vinculados ao mercado cativo.

A migração dos usuários finais só deverá ocorrer de forma massiva a partir da prática de contratos de comercialização de gás mais simples e padronizados, em que o cliente final possa realizar comparações entre as distintas ofertas existentes no mercado e as vantagens na migração para o mercado livre.

Outro fator inibidor é a reduzida oferta de gás de outros comercializadores além da Petrobras. Em alguns casos, esses comercializadores oferecem contratos em base não firme, que embora mais baratos, não conferem segurança de abastecimento ao mercado, reduzindo sua liquidez e inibindo, assim, a migração para o mercado livre.

Por último, aparece como barreira à efetiva abertura do mercado e ao surgimento de um mercado minorista de gás no país a deficiente regulação nos Estados. Por definição, um mercado minorista de gás natural é aquele que engloba as transações de fornecimento ao usuário final e, para isso, a comercializadora identifica as necessidades do cliente e realiza o planejamento do fornecimento do gás necessário.

Para levar o gás natural até o consumidor, a comercializadora utiliza as infraestruturas de gás, mediante a contratação e pagamento das tarifas de distribuição, transporte e regaseificação, faturando um preço global ao consumidor final.

Para tanto, as condições de acesso às redes e as respectivas tarifas de utilização das infraestruturas de movimentação devem estar reguladas, em condições não discriminatórias para todas as comercializadoras.

Em alguns países, os agentes reguladores publicam, de forma regular, comparativos de ofertas ao mercado, para dar transparência e facilitar, aos usuários de médio e pequeno porte, a escolha do comercializador com melhores condições de preço.

Em geral, o mercado de clientes livres está caracterizado por um nível elevado de concorrência, com diversidade de operadores e facilidade do acesso de terceiros às infraestruturas de movimentação gasista.

É certo que o contexto mundial dificulta a abertura do mercado de gás no país, mas há muito a ser feito por aqui visando permitir a comercialização direta do gás aos usuários finais, e o caminho passa por um bom planejamento, por uma maior multiplicidade de agentes e por maior liquidez e transparência das transações. Daí a importância de existir um Gestor Técnico do Sistema - GTS.

A harmonização da regulação nos Estados e a coordenação entre o MME, a ANP e as agências estaduais serão também fundamentais para o sucesso do processo de abertura do mercado de gás e o aumento da concorrência na comercialização, trazendo benefícios aos usuários finais.

 

 

 

 

 

Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019.

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