Opinião

As lições que virão da crise

Organizações tenderão a se basear em um processo de solidariedade mútua para começar a construir novas relações com colaboradores e fornecedores

Por Wagner Victer

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Historicamente, após grandes acidentes e crises, são retirados ensinamentos como forma de sobrevivência e aperfeiçoamento para as ações do futuro. No caso da Pandemia do Coronavírus, essas lições já estão se tornando claras para a cultura organizacional, o aprendizado e orientação dos diversos segmentos empresariais e seus dirigentes.

Dentre esses segmentos, a indústria do Petróleo e Gás, já se destaca como uma das mais impactadas em função da pandemia, pois já vinha bastante abalada desde o começo dos conflitos geopolíticos envolvendo os Países Árabes e a Rússia, e, com esse choque, certamente deverá sofrer significativos ajustes em sua estrutura.

Além disso, os impactos atingem em cheio uma série de indústrias dependentes do petróleo que, somado a competidores como os produtores de shale gas, terão de rever toda a maneira como operam em um universo em que o barril de petróleo cai a uma fração do valor praticado no passado. Da mesma forma as chamadas energias alternativas serão impactadas em especial na redução de velocidade do crescimento visto nos últimos anos.

Os movimentos econômicos que futuramente se desdobrarem no mundo dependem de diversas variáveis que precisam de forma única e inesperada, serem reconhecidas simultaneamente, como: redução do preço do barril para valores inferiores a US$ 25, redução drástica da atividade econômica e consequentemente da demanda de petróleo e derivados, a redução e a reprogramação de investimentos, aumento de cotação do dólar, etc. Tratando de países como o Brasil, esse é um cenário extremamente complexo para qualquer tentativa de projetar o futuro, dado que há menos de 6 meses era praticamente imprevisível em sua dimensão, inclusive para governos estaduais e municipais que tem os royalties e participações como fontes relevantes de suas receitas.

Da mesma forma, o mercado de navios petroleiros tornou-se fortemente afetado, pressionado por essa abundante oferta de óleo barato. Alguns traders estão buscando estocagem estratégica e meios para levar esse óleo barato para os mercados demandantes e os fretes marítimos voltam a ser relevantes ao preço final e, portanto, de novo,uma questão estratégica.

A imprevisibilidade do mundo afeta bastante a indústria de energia, e se desdobra também pelos diversos segmentos de outras cadeias produtivas prestadoras de serviços, alguns podendo ter interrupções súbitas e de longa duração, como o setor da aviação e o hoteleiro.

O fato é que impactos drásticos nas operações a partir de ocorrências como essa, e como a que também ocorreu no Brasil em 2018 durante a Greve dos Caminhoneiros, deverão estar cada vez mais presentes nos cenários dos Planejamentos Estratégicos das Organizações, que durante décadas pouco consideravam a possibilidade desses cenários caóticos, e onde as precauções concretas de mitigação dos impactos desses cenários não tinham qualquer grau de prioridade empresarial e se tornavam meras peças de ficção para muitos gestores e acionistas.

Como aprendizado primário, ações concretas e antecipadas nas operações em especial das contingências e o uso de novas tecnologias, como por exemplo o “trabalho remoto”, e as logísticas alternativas de abastecimento de matérias primas e do escoamento da produção, que se projetavam apenas em um cenário normal, começam a ser sensibilizadas como sendo variáveis prováveis e até da sobrevivência das organizações e logicamente tendem a ser aperfeiçoadas e utilizadas em um período pós crise.

Os valores empresariais também precisarão ser modificados com uma grande discussão, que redefinirá as relações das organizações com seus colaboradores e fornecedores, que tenderão a se basear também em um processo de solidariedade mútua para começara construir essas novas relações. Aliás, muitas organizações de diversos tamanhos começaram a finalmente desenvolver, somente diante da seriedade dessa crise,ações efetivas, como de fato tentar ajudar a proteger a sociedade, ampliando o seu conceito de Responsabilidade Social que muitas vezes sucumbia, no dia a dia, na busca incessante dos resultados financeiros e o tradicional ebitda.

Certamente teremos uma economia bastante abalada com essa gravíssima crise, mas o remédio que irá nos curar, ou pelo menos garantir nossa sobrevivência,terá como efeito colateral positivo, uma indústria e seus dirigentes com mais solidariedade e visão humana, modificando seus valores.

Wagner Granja Victer é engenheiro (UFRJ) da Petrobras, bacharel em Administração (UERJ), pós-graduado em Finanças (FGV) e em Gerência de Projetos pela Harvard University.

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