Opinião

Elevação do custo da energia continua a restringir o crescimento econômico e a expansão da produção industrial

Num cenário de energia competitiva, com o custo do gás natural a US$ 6,30 por MMBTU e o da energia elétrica a US$ 50 por MWh, a economia brasileira poderia crescer 3,8% ao ano com expansão de 3,2% do PIB per capita até 2032

Por Fernando Garcia de Freitas

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Em junho de 2022, um estudo publicado pela Abrace Energia e coordenado pela Ex Ante Consultoria Econômica alertou para as consequências nocivas para a economia do aumento expressivo do custo da energia.

Com informações de 2000 a 2021, o estudo indicou aumento de 1.084% no preço da energia elétrica pago pela indústria brasileira, taxa quase quatro vezes maior que a variação da inflação medida pelo IPCA, de 258% nesses 21 anos. Em dólares, a energia elétrica consumida pela indústria brasileira sofreu elevação de 302%, taxa seis vezes maior que a evolução dos preços industriais nos Estados Unidos (53% entre 2000 e 2021).

No caso do gás natural, o aumento foi ainda maior: 1.894% entre 2000 e 2021, taxa 4,2 vezes a da inflação brasileira. Em dólares, o aumento foi de 577% no período, superando a evolução de preços industriais nos Estados Unidos (53%) e na União Europeia (36%).

A falta de competitividade da energia brasileira trouxe enormes consequências para a indústria. Um dos efeitos da energia cara é o aumento de custos industriais, que ao serem repassados ao longo das cadeias produtivas, acabam elevando os preços dos bens industriais que empregam energia de forma intensiva. Com preços mais elevados, reduz-se a demanda por esses produtos, seja a de consumidores domésticos seja a de estrangeiros.

Dessa forma, há ajustes na produção industrial, com queda da atividade ou redução do ritmo de crescimento, que comprometem a geração de renda e emprego. Em grande medida, o encarecimento excessivo da energia é responsável pelo inexpressivo crescimento do PIB industrial brasileiro, de apenas 0,7% ao ano entre 2000 e 2021, menos de um-terço da expansão média do PIB do país, de 2,1% ao ano nesse período, o que indica que a evolução da indústria conteve o crescimento econômico do país.

A energia cara também afetou a redução de margens dos negócios. Com a elevação do grau de abertura ao comércio internacional nesses anos, os preços domésticos passaram a ser referenciados pelos internacionais. Assim, os aumentos de custos acabaram reduzindo as margens dos produtores industriais, em especial dos setores que empregam energia de forma intensiva.

Houve fechamento de fábricas e grande redução de investimentos, com consequências na produção e no potencial de expansão do PIB. Um indicador da perda de atratividade aparece na composição setorial dos empréstimos do BNDES. Em 2000, 44% do crédito foi destinado à indústria de transformação. Em 2021, caiu para 16%.

Outra consequência prejudicial foi o aumento do custo de vida das famílias brasileiras. Além do impacto na conta de energia elétrica residencial, houve encarecimento no custo de vida das famílias, pois é elevado o peso da energia na produção de vários itens de consumo. Segundo o estudo, a energia tinha um peso de 33,3% no preço das carnes e do leite consumidos pelas famílias, e de 27,2% no caso dos pães. Materiais escolares são fortemente impactados: quase 36% do preço de um caderno eram custos com energia, ao passo que no preço da borracha, o peso era de 24,5%. Os materiais de construção também apresentaram pesos elevados em seus preços: para cimento e vidro (dois importantes bens da indústria de produtos minerais não metálicos), o peso foi de 24,5%; nas esquadrias metálicas, de 25,3%; e nos tubos de PVC, de 24,5%. Isso indica que quase um-quarto do custo com esses materiais era despesa com energia.

Os dados recentemente publicados no Balanço Energético Nacional indicam novo agravamento da situação de 2022. Em dólares, o preço da energia pago pela indústria brasileira cresceu 7,6%, em relação a 2021, e o custo do gás natural aumentou 48,1%, em 2022. Com o novo resultado ruim, de 2000 a 2022 a energia elétrica acumulou elevação de 333% em dólares desde 2000 e o gás natural, de 903%!

É certo que o custo do gás natural cresceu mundialmente devido ao conflito militar no leste europeu. Os embargos e cortes de produção restringiram a oferta, com efeito global. Nos EUA, em esforço para complementar a oferta na União Europeia, o preço pago pela indústria elevou-se 63,3% em 2022, em relação a 2021. Mas, no primeiro semestre de 2023, os preços já caíram 59%, caminhando em direção ao patamar do preço pago em 2020. No Brasil, estima-se que o custo do gás natural tenha sido de US$ 11,5 por milhão de BTU no primeiro semestre deste ano, indicando uma queda de 44,1% do gás natural em dólares em relação à média de 2022. Ou seja, no Brasil o gás ficou relativamente mais caro que o norte-americano após as quedas de preços.

A dinâmica da produção industrial brasileira foi afetada pelo encarecimento da energia. Entre 2022 e 2021, houve redução da produção industrial de 0,4%, apontando para estagnação. Em alguns setores as retrações foram mais elevadas: a produção de manufaturas de borracha e plásticos caiu 5,4%, a de produtos minerais não metálicos, 5,1%, a da metalurgia, 5,0%, e a de produtos de metal, 9,0%. Em 2023, o desempenho piorou.

A produção da indústria manufatureira caiu 1,3% no acumulado do primeiro semestre, em comparação ao ano anterior. Com isso, a indústria acumula perdas de 1,6% desde o início do conflito no leste europeu e o consequente encarecimento dos custos com energia. Três segmentos industriais acumularam perdas maiores: a de produtos minerais não metálicos, com retração da produção de 13,2% desde 2021, a da metalurgia caiu 7,8% nesta comparação temporal e a indústria de produtos de metal caiu 12,2%.

Nesse quadro de encarecimento da energia, a economia industrial e o crescimento econômico do Brasil não vão caminhar bem. Ao contrário, para haver um crescimento econômico mais robusto, com aumento da produção industrial e da produtividade no país, o estudo apontava a necessidade de reduzir o custo da energia brasileira.

Num cenário de energia competitiva, com o custo do gás natural a US$ 6,30 por MMBTU e o da energia elétrica a US$ 50 por MWh, a economia brasileira poderia crescer 3,8% ao ano com expansão de 3,2% do PIB per capita até 2032. Essas trajetórias são muito melhores que as contemporâneas das projeções de longo prazo para o país, que apontavam para expansão do PIB de 1,7% ao ano e de 1,1% do PIB per capita.

Ao final de 2032, a economia brasileira teria R$ 2,640 trilhões (a preços de 2021) de PIB a mais do que nas projeções de referência para o Brasil. Os investimentos mais intensos da indústria e o maior crescimento econômico permitiriam a abertura de 6,7 milhões de novos postos de trabalho, reduzindo sensivelmente o desemprego. O impacto sobre a inflação seria bastante benéfico em termos de estabilidade econômica, assim como efeitos sobre o custo de vida das famílias em termos de ganhos de bem-estar.

Nesse sentido, alcançar um cenário de energia competitiva no Brasil seria, sobretudo, um avanço estratégico para o desenvolvimento econômico e social do país.

Fernando Garcia de Freitas é bacharel e doutor em Economia pela USP. Foi professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, a pós-graduação em economia da PUC de São Paulo e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV. Atualmente é sócio-diretor da Ex Ante Consultoria Econômica.

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