Opinião

O futuro dos pequenos produtores no eldorado do pré-sal

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Como as notáveis descobertas do pré-sal alteram o futuro dos pequenos produtores de petróleo e gás no Brasil? Em primeiro lugar, a questão ligada à presença de sal na coluna sedimentar de nossas bacias e sua variada turbulência é antiga. Basta lembrar que o primeiro poço perfurado na plataforma continental brasileira, o 1-ESS-1-ES, no litoral do Espírito Santo, em 1968 - portanto, há 40 anos -, atingiu um domo de sal, confirmando as previsões sísmicas sobre a natureza do domo mapeado, embora não tenha descoberto óleo ("Temos aqui um Golfo do México!", pensamos todos).

Como se vê, levamos um bocado de tempo até chegar a esse novo e empolgante estágio. De resto, decorridos esses 40 anos, as petroleiras, inclusive a Petrobras, continuam a fazer descobertas significativas relacionadas com o sal no Golfo do México, que é, certamente, a província geológica onde mais se acumulam experiências relacionadas à tectônica salífera. Na verdade, a Petrobras se estabeleceu no Golfo em 1987, com a Petrobras America, há 21 anos! Recentemente ela expandiu muito suas atividades na área, e é bom que o faça, porque sem dúvida isso vai ajudá-la em Santos.

Tem havido descobertas significativas em águas ultraprofundas no Golfo, inclusive uma de Chevron/Devon/Statoil (em cota batimétrica de 2,4 mil m), com objetivos muito profundos (9 mil m), relacionados com o sal. Mas pré-sal existe também nas bacias maduras brasileiras, onde atuam as pequenas e médias empresas (e a Petrobras também), e, por excelência, em águas rasas das bacias do Espírito Santo, Campos e Santos. Mas existe pré-sal e pré-sal.

A meia-dúzia de parâmetros que governam a presença de hidrocarbonetos nem sempre combina o jogo, e a capacidade dos exploracionistas de identificar os modelos aplicáveis e o prospecto a ser perfurado leva tempo. E temos também membros da Associação Brasileira dos Produtores Independentes (Abpip) nessas áreas. Vamos, porém, aos pequenos produtores.

Os países com indústria de petróleo madura têm parte significativa de sua produção de óleo e gás conduzida por um número expressivo de empresas de portes variados, que desempenham papel estratégico importante ao conduzirem de forma eficiente a produção de pequenos campos ou de campos em avançado estado de explotação.

Essas empresas, tradicionalmente reconhecidas como produtores independentes, não-presentes na área de refino, contribuem com sua atuação para aumentar a recuperação das reservas de hidrocarbonetos desses países, as quais de outro modo, poderiam ser desperdiçadas. No Brasil, cuja indústria de petróleo certamente se enquadra nesse estágio de desenvolvimento, o segmento dos produtores independentes está longe desse patamar.

Primeiro, por razões históricas: atividade conduzida por muitos anos por uma única empresa, com monopólio garantido pelo Estado e por ele protegida, com preços sob estrito controle do governo, sem necessidade de competir no mercado. Decorridos dez anos do rompimento desse monopólio, a situação pouco mudou. O crescimento da atividade a cargo das independentes tem sido extremamente lento.

O panorama poderia ser diferente se a abertura fosse alimentada pela disponibilidade progressiva, pela Petrobras, de campos sem maior interesse para empresas de seu porte. Esse processo, na verdade, chegou a se iniciar pouco depois da abertura, em 2001, quando duas empresas adquiriram direitos e obrigações da explotação de campos disponibilizados pela Petrobras nas bacias do Recôncavo e de Sergipe-Alagoas.

Entretanto, essa iniciativa, que com certeza seria o principal veículo para o desenvolvimento e a consolidação da atividade no país, não teve prosseguimento. O desenvolvimento da atividade ficou, assim, por conta do sucesso das companhias que se lançaram no processo rotineiro de ingresso na atividade de E&P, via licitações anuais da ANP, reconhecidamente cheias de incertezas para empresas que optaram por ingressar numa atividade sujeita ao risco geológico e ao longo período de maturação dos investimentos, quando bem-sucedidos.

Paralelamente, houve outra oportunidade, com as duas ofertas de campos marginais pela agência (leilões em 2005 e 2006), em bacias maduras, em avançado estágio de explotação, decorrentes de seu "estoque" de ocorrência de hidrocarbonetos em poços ou campos abandonados pela Petrobras. Foi uma iniciativa para criar novas oportunidades para as independentes, num esforço de superar o clima gerado pela ausência dessas oportunidades oriundas da Petrobras.

Esse processo se afigurou complexo e pouco adequado para alterar muito o quadro de modesto desenvolvimento da atividade. De qualquer forma, há que se reconhecer a importância da atividade, complementar ao trabalho das majors, por sua capacidade de gerar empregos, desenvolver atividades empresariais locais, contribuir para o desenvolvimento de empresas de serviços especializados em alternativa às grandes e tradicionais companhias que atuam no setor e, ainda, para o apoio às comunidades onde atuam.

Convém também não esquecer que soluções criativas e originais que otimizam o processo de E&P não são privativas das grandes empresas e emergem, com freqüência, nas pequenas. O sucesso da atividade do ponto de vista estritamente empresarial depende de três ingredientes básicos: um staff de profissionais com sólido conhecimento do processo de E&P, complementado por profissionais recém-formados, com possibilidade de desenvolverem rapidamente sua capacitação; recursos financeiros adequados, preparados para o entendimento do risco geológico que permeia a atividade e o retorno de longo prazo; e, naturalmente, management capaz de gerir com eficiência a atividade.

Os desafios são grandes porque não é fácil, nos dias de hoje, formar e manter o staff, num mercado carente de mão-de-obra especializada em nível mundial. A atividade das independentes cresceu e se desenvolveu em muitos países, sobretudo nos EUA, graças ao processo extremamente competitivo que sempre dominou a atividade e ao apoio irrestrito das autoridades governamentais às independentes. Essa situação nunca se fez presente no Brasil, com legislação e regulação, desde o início da abertura, voltada para as majors.

O exemplo mais elucidativo é o da criação do Repetro, instituído em 1999 e aplicável apenas às operações offshore e para investidores com recursos provenientes do exterior - inclusive a Petrobras -, com a introdução da figura da exportação ficta, inspirada no latim. A iniciativa da ANP de licitar seu estoque de campos marginais esbarrou nas disposições legais, que, no entendimento que prevaleceu na agência, não permitiriam que ela oferecesse campos com reservas residuais para colocação em produção, e sim áreas (blocos) para exploração, nem abrisse mão de compromissos de investimentos associados a esse processo.

Assim, agregou-se à 7ª rodada (novembro de 2006) a figura inusitada de "Avaliação, Reabilitação e Produção em Blocos Contendo Áreas Inativas com Acumulações Marginais". Aos vencedores impor-se-ia um kafkiano procedimento para justificar o processo. No curso dessa rodada, a ANP ofereceu um número razoável de "campos" para empresas cuja qualificação dependia apenas de demonstrar um patrimônio líquido de R$ 10 mil (!). Essas companhias deveriam, após análise superficial dos escassos dados disponibilizados, decidir por um programa de investimento para oferta (similar a um programa de desenvolvimento) cujo peso na avaliação era de 75% - os outros 25% eram o bônus oferecido à ANP.

Uma vez declarada vencedora, a empresa teria dois anos para executar esse programa, e, ao fim de sua implantação, poderia declarar o projeto "comercial". E a partir daí, caso positivo, partir para o programa de desenvolvimento (que ela acabara de fazer?), mas que não poderia produzir a menos que se aplicasse para um teste de longa duração (mutatis mutandis, o mesmo procedimento a ser desenvolvido pela Petrobras para iniciar a produção no campo de Tupi).

Não é possível, neste espaço, entrar em maiores detalhes sob esse processo. Mas dá para sentir que classificá-lo como kafkiano chega a ser uma simplificação. Certamente as majors submetidas a processo semelhante teriam estrutura para "administrá-lo" com maior galhardia. Mas, quanto às independentes... Felizmente, há um grande empenho da ANP em contornar essas dificuldades e sem dúvida nossa associação poderá dar grande contribuição para sua superação. As pequenas empresas enfrentam um sem-número de dificuldades, sobretudo as estreantes no mercado.

Desde a ordem burocrática para se implantarem na atividade até meio ambiente, proibição de atividades em áreas reservadas pelo Incra, falta de equipes sísmicas (e demora na liberação dos paióis, pelo Exército, para uso de explosivos, ou demandas judiciais trabalhistas proibindo horas extras ou trabalho aos domingos) e falta de sondas de perfuração e de workover e de outros serviços especializados.

Há outras situações inusitadas, como o cumprimento de disposições de "conteúdo local" na fase de exploração, fase transitória sujeita aos riscos que quase sempre conduzem ao abandono da atividade em sua primeira fase, antes mesmo da perfuração. Burocracia tem sempre uma boa justificativa e é penosa para todos, mas afeta principalmente os pequenos, pelas despesas adicionais que gera e pela dispersão que provoca em seu foco de descobrir e produzir petróleo.

Voltamos à nossa questão inicial: como as notáveis descobertas do pré-sal alteram esse quadro? Um dos problemas é que, mais recentemente, depois da 8ª rodada ter superado todos os problemas judiciais que motivaram sua suspensão, em novembro de 2006, com o brilhante posicionamento da então presidente do STF, Ellen Gracie, esbarrou-se na presença de alguns blocos nas franjas do pré-sal que despertam, para muitos, um elenco de dúvidas de ações, mas não para a Abpip, que defende o prosseguimento imediato dessa rodada, nas condições exatas em que foi interrompida.

Muitas independentes obtiveram blocos na Bacia do Tucano nesse leilão e até agora desconhecem se terão oportunidade de assinar os contratos. E a 10ª rodada, quando sai? Muitos ignoram ou esquecem que Tupi e outros adjacentes decorreram da 2ª rodada, em junho de 2000. Levamos oito anos para chegar ao estágio atual. Houve notáveis descobertas, é verdade, mas até hoje não foi completada a sua avaliação, e as estimativas sobre os volumes recuperáveis - ainda que extraordinários - têm ainda um elevado grau de incerteza. O processo exploratório é demorado.

E, de novo, a posição da Abpip é muito clara a favor do prosseguimento das rodadas, inclusive incluindo áreas do pré-sal, cujos lucros extraordinários, se for o caso, poderão propiciar maior government take, mediante simples decreto presidencial. Aliás, modelo de contrato (production sharing, concessões etc.) nada tem a ver com government take. É uma razão a mais para não se falar em mudança da lei.

E convém lembrar que reservas de hidrocarbonetos só enriquecem os países quando monetizadas, e que é preciso primeiro descobri-las e quantificá-las. As independentes estão muito preocupadas, porque há fortes indicações de que as oportunidades nas bacias maduras estão ficando cada vez mais escassas. E novas oportunidades em outras bacias não estão aparecendo. Claro que o potencial do país é ainda grande.

Mas as bacias terrestres paleozóicas e proterozóicas, largamente não-avaliadas, apresentam elevado risco, não compatível com o porte das independentes brasileiras por falta de trabalhos sísmicos que permitam uma melhor avaliação desses riscos, entre outras razões. Quanto ao portfólio de campos marginais da ANP, ainda que o processo de adjudicação seja melhorado, a experiência mostra que seus resultados econômicos, mesmo com os elevados preços do petróleo, serão igualmente marginais no incremento e na consolidação das atividades das independentes e vão se esgotar rapidamente.

Assim, a menos que a Petrobras decida se livrar de seus campos marginais, concentrando-se nos grandes desafios do pré-sal e transferindo seus direitos para as independentes, parece que a saída é ir para o exterior ou o encerramento das atividades!

Wagner Freire é presidente da Silver Marlin e da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip)

Outros Artigos