Opinião

Hidreletricidade Sustentável

Não será em todo o planeta que a hidreletricidade poderá suportar o crescimento das fontes renováveis não-controláveis. Onde é possível, no entanto, não há razão para que esse benefício não seja aproveitado em seu máximo potencial

Por Paulo Cunha

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Grandes civilizações marcaram a transição da humanidade para a fase histórica. Todas nasceram em torno de seus rios. As revoluções urbanas responsáveis pela fixação das sociedades, superando o nomadismo coletor, foram suportadas pela abundância de recursos hídricos. Eles foram responsáveis pelo surgimento da agricultura e todo o posterior avanço civilizatório. Assim, foi na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates que nasceu a civilização ocidental. No vale do rio Amarelo acredita-se ter se originado o povo chinês. No nordeste da África, o Nilo permitiu o fantástico desenvolvimento da civilização egípcia. A antiquíssima sociedade hindu floresceu a partir dos inúmeros povoamentos ao longo do rio Indo, que a nominou.

Fazendo um salto das origens para o futuro da civilização, os recursos hídricos posicionam-se como fiadores da sustentabilidade socioambiental. Isso porque a hidreletricidade decorrente desses aproveitamentos é capaz de prover de modo destacado as condições que permitem o avanço massivo de fontes de energia de baixo carbono. Pela óbvia dependência locacional dos cursos d’água, não será em todo o planeta que a hidreletricidade poderá suportar o crescimento das fontes renováveis não-controláveis. Onde é possível, no entanto, não há razão para que esse benefício não seja aproveitado em seu máximo potencial.

Recentemente foi divulgada a Declaração de San Jose Sobre Energia Hidrelétrica Sustentável. Essa manifestação documenta os compromissos assumidos pela comunidade internacional representada no Hydropower Sustainability Council, entidade multisetorial que reúne diferentes partes interessadas em energia hidrelétrica. Sua missão é promover o aprimoramento da hidreletricidade, construindo conhecimento, incentivando e incorporando práticas sustentáveis. A declaração traz os princípios a serem observados para o aproveitamento sustentável da hidreletricidade, explorando suas múltiplas dimensões. Apresenta também recomendações para entidades e decisores governamentais responsáveis por gestão de energia e manejos de água, com vistas a perseguir uma transição energética limpa e segura.

Não é novidade que a integração sustentável da hidreletricidade no planejamento e na gestão das bacias hidrográficas envolve compensações complexas, na busca de equilíbrio entre a produção de energia e todos os usos da água, priorizando-se a preservação socioambiental.  Nesse sentido, na medida em que a urgência na descarbonização dos setores energéticos impõe a crescente participação de fontes não-controláveis nos sistemas elétricos, como a eólica e a solar, aumentam dramaticamente as necessidades de flexibilidade operativa e de armazenamento de energia em grandes escalas de volume e duração. Contribuir na otimização do atendimento a essas necessidades é o desafio a que se submete a Energia Hidrelétrica Sustentável.

Culminando um esforço de autorregulamentação, foi publicada neste ano a Hydropower Sustainability Standard, um sistema voltado a garantir a conformidade dos empreendimentos de hidreletricidade. Ele apresenta os requisitos de desempenho e uma metodologia de certificação da sustentabilidade hidrelétrica. Detalha as etapas, definindo também o credenciamanto dos interessados e a governança do processo. Inclui ainda as ferramentas de avaliação e modelos de relatórios. Essa sistemática, que foca no ciclo de vida integral dos projetos, encontra-se em linha com as diretirizes socioambientais das principais entidades multilaterais de finaciamento de infraestrutura. Essa norma deve ser revisada ordinariamente a cada cinco anos. Sugestões de aprimormento, entretanto, podem a qualquer momento ser encaminhadas.Fluxos e reservação; recursos hídricos e energia. É disso que a história nos fala quando narra de onde viemos. Não há razão para duvidar de que também disso se tratará aonde formos.

 

Paulo Cunha é Sócio-diretor da SEMPI Consultoria Ltda e consultor Sênior da Fundação Getulio Vargas

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