Opinião

Desafios da reforma tributária no mercado de óleo e gás

A reforma traz severas preocupações ao setor de O&G, em especial, por não excepcionar as operações hoje amparadas pelo REPETRO-SPED

Por Matheus Affonso

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Acompanhamos esta semana a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, pela Câmara dos Deputados, que reformula a tributação sobre o consumo, sendo um avanço significativo na reforma tributária. De uma forma geral, haverá a remodelação do sistema tributário com a extinção de cinco tributos e a instituição, por via de lei complementar, de um modelo de Imposto de Valor Agregado (“IVA”) dual.

Assim, serão extintos três tributos federais (PIS, Cofins e o IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Em seu lugar, serão criados a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser arrecadada pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará o ICMS e o ISS. Haverá também a criação do Imposto Seletivo sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Outro ponto aprovado no texto-base é a previsão de uma alíquota única e padrão para o CBS, a ser definida em lei complementar. Na esfera do IBS, cada ente federativo adotará a alíquota praticada em seu território, seguindo a alíquota de referência a ser definida em Resolução do Senado Federal.

Embora a PEC 45/2019 tenha sido desenhada com vistas a impulsionar a produtividade e o crescimento econômico através da simplificação e transparência do sistema tributário, alguns setores da economia já apontam possíveis questionamentos e impactos negativos em suas operações com a reforma tributária aprovada.

Nesse sentido, um dos pontos apresentados por alguns segmentos econômicos, dentre os quais o setor de óleo e gás, diz respeito aos benefícios fiscais atualmente existentes e às exceções previstas na PEC 45/2019 à alíquota única do CBS e do IBS.

Por ora, o texto aprovado pela Câmara prevê poucas hipóteses nas quais haverá uma desoneração por meio de uma alíquota reduzida ou isenções. Basicamente, apenas serão beneficiados alguns bens e serviços, dentre os quais, produtos agropecuários e serviços de educação, saúde e transporte público, além da manutenção dos regimes tributários favorecidos da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional.

Salvo essas exceções, o texto é bastante enfático em sua missão de uniformizar o sistema tributário e erradicar a guerra fiscal, especialmente, aquela praticada entre os estados para atrair investimentos. Tanto é que o texto-base prevê que o IBS “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação”.

Tal cenário traz severas preocupações ao setor de O&G, em especial, por não excepcionar as operações hoje amparadas pelo REPETRO-SPED. Como se sabe, esse regime tributário e aduaneiro especial, vigente até 2040, viabiliza a utilização econômica de bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural, com desoneração total dos tributos. Além disso, esse regime abrange também toda a indústria naval petroleira permitindo a industrialização de embarcações e plataformas com a exoneração de tributos, em franca competição com o exterior.

Fundamental, esse benefício desonera os investimentos do setor de O&G, o que permitiu o avanço da exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. De acordo com dados do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), esse regime é diretamente responsável por investimento de USD$ 180 bilhões e pela geração de mais de 445 mil postos de trabalho diretos e indiretos nos próximos 10 anos ao ano. Admitir, portanto, a possibilidade de reoneração do setor de O&G e da indústria naval é reconhecer, a longo prazo, a redução da competitividade e desenvolvimento da economia brasileira.

Outro ponto que tem provocado preocupação no setor é a previsão de que os Estados e o Distrito Federal possam instituir uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, em substituição à contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de benefícios fiscais de ICMS.

Tal previsão, aprovada de última hora pela Câmara como uma emenda aglutinativa, poderia atingir não somente a produção minérios, como também a produção de petróleo e gás natural, o que afetaria diretamente a indústria de O&G. Ocorre que essa nova contribuição pode, em última análise, onerar a exportação desses itens, afetando negativamente a competitividade brasileira no exterior.

Além disso, por justamente virem em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de benefícios fiscais de ICMS, essa nova contribuição também deverá ser questionada judicialmente, como ocorre, por exemplo, com o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, exigidos pelo Estado do Rio de Janeiro das empresas que gozem de benefício fiscal de ICMS, que aguardam julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao que tudo indica, embora a PEC 45/2019 mereça ser celebrada por viabilizar a atualização do sistema tributário nacional, é extremamente recomendado a reavaliação desse ponto que pode afetar negativamente diversos setores econômicos, em especial, o setor de O&G, e pode continuar abarrotando o Poder Judiciário com demandas que visam solucionar questões tributárias.

A par desses pontos negativos, merece ser acompanhado pelo setor de O&G a previsão de criação de um regime fiscal favorecido a fim de garantir uma tributação inferior aos biocombustíveis, garantindo um diferencial competitivo frente aos combustíveis fósseis. Em tese, tal medida encontra-se em consonância com o objetivo da reforma de desestimular produtos prejudiciais ao meio ambiente. No entanto, pode ser que resulte em uma desvantagem econômica prejudicial ao setor, a depender da forma como esse regime fiscal será instituído via lei complementar.

Como visto, o setor de O&G, bem como os demais setores econômicos, terão que continuar acompanhando as discussões que serão travadas na próxima fase pelo Senado Federal, esperadas para o segundo semestre, e avaliar, desde já, os possíveis efeitos negativos e positivos da reforma tributária, afinal esse é o futuro que aponta no horizonte.

*Matheus Affonso e Natália Faria são advogados do escritório Leal Cotrim Advogados na área de Direito Tributário.

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