Opinião

Descomissionamento de campos de petróleo e gás no Brasil: desafios e soluções em garantias financeiras

Prazo para apresentação de garantias à ANP termina dia 30 de junho e as operadoras precisam definir rapidamente as soluções com melhor custo-benefício para se adequarem à nova resolução

Por Carolina Jardim

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O descomissionamento de campos de petróleo e gás é uma preocupação crescente no Brasil, especialmente porque muitos campos estão entrando em fase final de operação. O país representa 11% dos gastos globais das operadoras em atividades de descomissionamento, sendo o terceiro maior mercado do mundo, atrás apenas do Reino Unido e  Estados Unidos. Até 2026, os investimentos necessários nessa área deverão superar R$ 51 bilhões. 

 Considerando a magnitude do impacto ambiental potencial decorrente de um descomissionamento inadequado, somado ao risco de abandono de poços por falta de recursos, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) passou a exigir garantias financeiras para o provisionamento obrigatório dos custos envolvidos. 

 A Resolução ANP 854/2021 é resultado de um processo de consulta pública iniciado em 2018 e 2020, no qual a ANP buscou inputs sobre como exigir essas garantias. A norma atual representa um avanço em relação à proposta inicial, que previa um valor fixo de garantia desde o início do projeto, mas foi considerado oneroso demais pelas empresas. 

 O Modelo de Aporte Progressivo (MAP) 

 A ANP desenvolveu uma metodologia de cálculo chamada Modelo de Aporte Progressivo, em que o valor a ser garantido é ajustado anualmente. Dessa forma, até dois anos antes do término da produção ou do contrato de concessão, 100% do valor do descomissionamento devem estar garantidos. 

 Há um cronograma estabelecido: para os contratos vigentes em fase de operação, as garantias devem ser apresentadas até 30 de junho do ano corrente e, em 31 de março do ano seguinte, é necessário calcular a atualização do valor. Para os novos contratos, a garantia financeira deverá ser apresentada em até 180 dias após o início da produção no campo. 

 A tendência é que o valor da garantia aumente a cada ano, alinhada ao crescimento da produção – a menos que a empresa antecipe algum custo de descomissionamento, o que será refletido no cálculo. 

 Por outro lado, se a metodologia de cálculo indicar que o valor da garantia deve aumentar, é preciso complementar esse valor, seja por meio do incremento do valor da garantia existente, seja com novas garantias. Até 30 de junho do próximo ano, a operadora deverá comprovar o reforço ou complementação. 

 Cinco modalidades de garantias financeiras podem ser combinadas para atingir o valor de garantia exigido anualmente, permitindo que as empresas façam um mix conforme sua realidade financeira e de governança corporativa. 

 Para contratos vigentes em fase de operação, o prazo de 30 de junho de 2023 para apresentação das garantias financeiras é desafiador e as operadoras do mercado precisam analisar o custo-benefício de cada modalidade para definir as opções mais viáveis e competitivas. 

 As cinco modalidades de garantia financeira para descomissionamento 

 GARANTIA CORPORATIVA 

 A garantia corporativa ocorre quando a empresa controladora do grupo garante, com seu patrimônio líquido, o total dos custos de descomissionamento conforme o modelo de aporte progressivo. Neste caso, a garantidora assume a posição de fiadora, assegurando o cumprimento das obrigações relacionadas ao descomissionamento. 

 A ANP estabeleceu um limite para essa garantia, restringindo o percentual de garantia corporativa a uma parcela do patrimônio líquido da empresa garantidora. Esse percentual é determinado com base no rating da empresa, ou seja, no risco de crédito, conforme avaliado pelas agências classificadoras de risco. 

 Dependendo do intervalo de rating, a ANP permite que a empresa garanta o custo referente às obrigações de descomissionamento entre 10% e 30% de seu patrimônio líquido. 

 FUNDO DE PROVISIONAMENTO 

 O fundo de provisionamento consiste em uma conta controlada vinculada à garantia dos custos de descomissionamento. Nesse modelo, a empresa deposita o valor da garantia em uma conta e realiza a cessão fiduciária desses recursos para a ANP. 

 A principal desvantagem do fundo de provisionamento é o custo de capital envolvido. Esse recurso poderia ser utilizado para financiar novos investimentos nos ativos e projetos da empresa, mas, em vez disso, fica congelado para garantir uma atividade que só ocorrerá no final da vida útil do campo de exploração. 

 Considerando o atual cenário macroeconômico no Brasil e no mundo, com custos de capital e juros elevados, essa modalidade de garantia financeira torna-se particularmente desvantajosa para o negócio. 

 PENHOR DE ÓLEO E GÁS 

 Nesse caso, a empresa penhora sua produção de óleo e gás em favor da ANP. Entretanto, há limitações para essa modalidade: 

 ·        O penhor só será admitido em campos onde a extração do primeiro óleo tenha ocorrido há pelo menos dois anos e a produção se mantenha durante esse período; 

·        O penhor está limitado a 50% da produção anual total de petróleo e gás da operadora; 

·        Não é possível penhorar a produção de um poço para garantir seu próprio descomissionamento. O recurso deve vir de outro campo. 

·        É necessário registrar esse penhor nos registros competentes, o que gera outros custos associados. 

·        O produto penhorado não pode ser utilizado como garantia em outras linhas de crédito, ficando reservado exclusivamente para as obrigações com a ANP. 

 FIANÇA BANCÁRIA VS. SEGURO GARANTIA 

 Ambas são instrumentos financeiros equivalentes em termos operacionais. No entanto, a fiança bancária tem um custo geralmente três vezes maior. 

 Isso ocorre porque, na fiança bancária, o banco retém 100% do risco, enquanto o mercado segurador utiliza um modelo de dispersão, com seguradoras cedendo parte do risco em resseguro e retrocessão para garantir a solvência do sistema. Isso resulta em um custo de capital mais baixo para as seguradoras do que para os bancos. 

 Ainda, ao optar pela fiança bancária, a garantia será contabilizada como dívida. Além de gerar repercussões negativas no balanço, as linhas de crédito que poderiam ser utilizadas para investimentos em projetos ou no ativo ficam comprometidas. 

 Considerando o atual cenário econômico, com bancos menos propensos a conceder crédito e juros mais altos, a fiança bancária se torna uma opção mais desafiadora. Assim, acreditamos que o seguro garantia tende a se consolidar como principal opção. Alguns pontos que vale destacar:  

 ·        É possível usar mais de uma apólice para compor o valor total; 

·        A apólice deve ser emitida por uma seguradora autorizada a operar no país pela SUSEP, não sendo permitida a emissão de uma apólice no exterior; 

·        A SUSEP exige um rating mínimo para aceitar uma garantia de uma determinada seguradora (maior ou igual a A- da S&P, na escala nacional Brasil). 

 O mercado de seguro garantia é composto em grande parte por seguradoras locais, e muitas delas não possuem rating próprio. Isso reduz o número de operadoras que aptas a emitir garantias de descomissionamento, conforme exigências definidas pela ANP. 

 Até o fim do ano passado, havia em torno de 6 seguradoras que (i) atendiam a todos os requisitos da ANP para apresentar seguro garantia de descomissionamento, e (ii) tinham apetite e cobertura de resseguro para emissão dessas garantias. 

 Impasse nas exigências da ANP atrasam negociações de seguro garantia – mas é preciso correr 

 No início de 2023, entrou em vigor a Circular 662 da SUSEP, uma nova norma que disciplina o seguro garantia no Brasil e traz algumas inovações. Em resposta a essa circular, a ANP solicitou ajustes adicionais, o que levou a uma nova discussão com o mercado segurador. 

 Atualmente, as seguradoras estão negociando com a ANP por meio da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) para chegar a um consenso sobre o clausulado a ser adotado para essas garantias.  

 O impasse vinha atrasando as negociações de seguro garantia para descomissionamento, e a Marsh, como player estratégico do mercado, tem apoiado as discussões. A expectativa é de que um desfecho favorável esteja bastante próximo. 

De qualquer maneira, é importante que as operadoras já comecem a fazer as primeiras cotações. Afinal, por se tratar de riscos complexos, a análise das seguradoras demandará um maior volume de informações; além disso, as operadoras, em sua maioria integrantes de grupos multinacionais, também possuem processos de governança que precisam ser observados para aprovar a emissão de garantias de alto valor. 

Portanto, os clientes devem estar atentos a esses prazos e buscar assessoria qualificada para definir uma solução competitiva, garantindo um balanço favorável e uma operação em conformidade com a lei, dentro do prazo estabelecido. 

Carolina Jardim é diretora de Credit Specialties da Marsh Brasil

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