Opinião

O momento da ocorrência do fato gerador do imposto de exportação e o setor de óleo e gás

Em que momento ocorreria o fato gerador do imposto de exportação previsto na MP nº 1.163/23?

Por Donovan Mazza Lessa

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Como é de conhecimento do setor de óleo e gás, em 01/03/23, foi publicada a MP nº 1.163/23 – com produção de efeitos imediata –, a qual, em seu art. 7º, estabeleceu a alíquota de 9,2% de Imposto de Exportação sobre as operações com óleos brutos de petróleo destinadas ao exterior, com previsão para vigorar até 30/06/23.

Essa novel exigência vem sendo questionada por meio de três ações diretas de inconstitucionalidade (7362, da ABEP; 7359, do PL; e 7360, do Partido Novo) que se encontram reunidas sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes no STF, aguardando julgamento no Plenário.

Nesse contexto, um questionamento em especial vem sendo formulado: tendo em vista que o setor, em seus processos de exportação, se utiliza da sistemática do “embarque antecipado” prevista no art. 96 e seguintes da IN RFB nº 1.702/17, em que momento ocorreria o fato gerador do Imposto de Exportação previsto na MP nº 1.163/23?

A resposta a essa indagação gera alguns efeitos importantes quanto ao recolhimento do tributo, os quais passam a destacados adiante.

Momento da ocorrência do fato gerador do imposto de exportação

O fato gerador do Imposto de Exportação, de acordo com o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.578/77, é a saída do bem do território nacional, que se considera ocorrida “no momento da expedição da guia de exportação ou documento equivalente” (atualmente, a DU-E – declaração única de exportação).

No caso do setor de óleo e gás, os procedimentos de exportação realizados pelas empresas nele atuantes, em regra, ocorrem através da sistemática de “embarque antecipado” prevista no art. 96 e seguintes da IN RFB nº 1.702/17.

Por meio desse procedimento, o exportador registra uma DU-E “inicial”, a qual não será objeto de desembaraço aduaneiro naquele momento. Ou seja, a mercadoria poderá ser embarcada e transpor as fronteiras brasileiras independentemente da conclusão do desembaraço, o qual somente se encerrará a posteriori, quando o exportador retificar a DU-E (no prazo de 60 dias) para a “inclusão das notas fiscais de exportação correspondentes aos bens exportados e exclusão dos itens com base nos quais foi autorizado o embarque antecipado”.

Esse procedimento especial é necessário porque o exportador de petróleo, ao emitir a DU-E, ainda não possui todas as informações de que necessita para emitir a nota fiscal de exportação, o que só ocorre posteriormente. Assim, uma vez concluído o embarque, a NF de exportação é emitida, a DU-E é retificada para inclusão da referida nota (no prazo de 60 dias, conforme art. 28, II, “b” c/c art. 100, II, “a”, da IN RFB nº 1.702/17) e o desembaraço aduaneiro considera-se encerrado.

Logo, a conclusão que se pode chegar é a seguinte: o fato gerador do Imposto de Exportação, de acordo com a literalidade do §1º do art. 1º, do Decreto-Lei nº 1.578/77, considera-se ocorrido no momento do registro da DU-E que, como se sabe, deve ser feito antes do embarque e da subsequente saída da mercadoria do território nacional. E esse raciocínio está fundado nas seguintes premissas:

(i) O registro da DU-E (que será posteriormente retificada) já caracteriza o início do despacho aduaneiro de exportação, conforme art. 20 da IN RFB nº 1.702/17. Este só não é finalizado por conta das características específicas da operação de exportação de petróleo, que demanda um regime próprio, chamado “embarque antecipado”, para ser operacionalizado. Ou seja, por meio desse regime, não se posterga a ocorrência do fato gerador. Pelo contrário, o fato gerador ocorre, nos termos do art. 1º, §1º, do DL nº 1.578/77, mas o lançamento do tributo é feito posteriormente, quando a empresa está apta para fornecer todos os elementos que o compuseram;

(ii) A ocorrência do fato gerador não pode ficar condicionada ao cumprimento de uma determinada obrigação acessória, como a retificação da mencionada declaração. Aceitar essa premissa é concordar que o contribuinte poderia, a seu bel prazer, manipular a data da ocorrência do fato gerador em função do prazo de 60 dias de que dispõe para apresentar a DU-E retificadora (conforme art. 100, II, “a”, da IN RFB nº 1.702/17), o que seria um contrassenso e, evidentemente, não encontra respaldo no sistema tributário em vigor.

No passado, situação similar foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal em decorrência da edição, pelo Conselho Monetário Nacional, das Resoluções n° 2.112/94 e 2.136/94, as quais estabeleceram novas alíquotas sobre a exportação de açúcares.

No RE nº 223.796, ao analisar o momento de ocorrência do fato gerador para fins de se determinar a alíquota aplicável, a ministra Ellen Gracie explicou que, por ficção, foi permitido antecipar o momento de transposição física das fronteiras, de forma a equiparar, ao momento da saída, o momento da expedição da guia de exportação que autoriza essa mesma saída. O referido acórdão registra também que – com a criação do Siscomex – os sistemas informatizados passaram a ser alimentados pelo próprio contribuinte, o que igualou o registro de exportação à guia de exportação, sendo justamente esse o momento da ocorrência do fato gerador do imposto.

Mais recentemente, instituiu-se a DU-E, com previsão expressa de que esta “produz efeitos equivalentes aos do registro de exportação” (art. 110 da IN RFB nº 1.702/17). Portanto, aplicando-se o racional do STF à sistemática vigente, tem-se a ocorrência do fato gerador no momento de registro da DU-E, sendo irrelevante, para tanto, se esta terá que ser posteriormente retificada, como vimos demonstrando.

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firme de que o fato gerador do Imposto de Importação “consuma-se na data do registro da declaração de importação”. A sua ocorrência não fica submetida a atos posteriores do contribuinte, os quais podem atrasar a efetiva entrada do bem no território nacional e, assim, manipular a ocorrência do fato gerador.

Em síntese, seja na importação ou na exportação, não se deve confundir a ocorrência do fato gerador com o posterior lançamento do tributo ou com quaisquer outras providências necessárias para se concluir o despacho aduaneiro, que, como se sabe, é um procedimento complexo.

E esse racional está linha com a própria sistemática de exportação de petróleo, que exige alguns procedimentos prévios ao registro do DU-E, como a obtenção de uma anuência prévia para exportação junto à ANP pelo módulo LPCO do Siscomex (Portaria SECEX nº 19/19). Ou seja, o contribuinte solicita a autorização da ANP e, na sequência, apresenta a DU-E. Há, portanto, procedimentos que denotam a ocorrência do fato gerador do Imposto de Exportação naquele momento, indo ao encontro do que está estipulado no art. 1º, §1º, do DL nº 1.578/77.

Em função do acima exposto, algumas conclusões importantes podem ser extraídas.

Em primeiro lugar, se uma empresa registrou uma DU-E antes da entrada em vigor da MP nº 1.163/23 (ou seja, em momento em que ainda não vigorava a alíquota do IE de 9,2%), o Fisco Federal não poderá exigir o pagamento do Imposto de Exportação quando ocorrer o procedimento de retificação da referida declaração, haja vista que o fato gerador, a nosso ver, já se materializou.

Em outras palavras, ainda que a retificação da DU-E ocorra dentro do prazo de vigência do Imposto de Importação (até 30/06/23), o contribuinte estará dispensado de recolher o Imposto de Exportação se tiver efetuado o registro da DU-E antes de 01/03/23 (que, como se sabe, foi a data da publicação da MP nº 1.1.63/23).

Por outro lado, uma eventual retificação da DU-E, posteriormente a 30/06/23, não eximirá o contribuinte de recolher o Imposto de Exportação relacionado a uma operação registrada anteriormente a essa data (i.e., quando o IE já estava em pleno vigor), pois, seguindo o raciocínio acima exposto, o fato gerador da exação já teria ocorrido nos termos dispostos no art. 1º, §1º, do DL nº 1.578/77.

O lançamento do imposto (leia-se: exigência do IE por meio da emissão da respetiva guia de pagamento), quando se está diante do procedimento de “embarque antecipado”, ocorrerá posteriormente à verificação do fato gerador, mas se reportará à legislação então vigente, exatamente como determina o art. 144 do CTN.

Espera-se que esse cenário de insegurança jurídica se dissipe com o julgamento das ações diretas pelo STF, uma vez que o Imposto de Exportação instituído pela MP nº 1.163/23, apesar de já estar em vigor há quase três meses, continua sendo objeto de inúmeros debates e incertezas por parte dos seus contribuintes.

Donovan Mazza Lessa é doutor em Direito Tributário e Finanças Públicas pela UERJ e sócio do escritório Maneira Advogados

 Marcos Correia Piqueira Maia é doutorando em Direito Tributário na Universidade Complutense de Madrid e sócio do escritório Maneira Advogados

 Michel Hernane Noronha Pires é mestre em direito processual civil pela PUC/SP e sócio do escritório Maneira Advogados

Outros Artigos