Opinião

Gás natural: oportunidade para o desenvolvimento regional

A instalação de plantas de regaseificação do GNL começa a proliferar em locais que eram considerados improváveis no passado

Por Wagner Victer

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Agora, no início da década de 2020, o gás se destaca como um elemento impulsionador de progresso do país e se insere nas políticas públicas e nos planos regionais de desenvolvimento, devido, principalmente, às curvas de produção do pré-sal, que apontam para o aumento da produção do gás natural, e às oportunidades que têm surgido para o GNL importado, impulsionadas pelos debates sobre a chamada Nova Lei do Gás (14.134/21).

Em âmbito federal, a não verticalização da legislação da cadeia do gás natural tal qual existe para outros energéticos como eletricidade e derivados do petróleo - que, diante do Artigo 25 da Constituição Federal, coloca os governos estaduais como monopolistas na concessão e regulação do setor de distribuição de gás natural via dutos -, faz com que esse tema inspire uma série de cuidados e nuances que irão pautar as discussões futuras e, inclusive, as já previstas na própria Nova Lei do Gás. Uma delas, devido a seu Artigo 45, interessa em especial ao consumidor livre e poderá, em muitos estados, representar um avanço legal em relação à regulação estadual, até porque muitas distribuidoras já foram concedidas no passado à iniciativa privada.

O aumento da disponibilização do gás natural nacional em bases competitivas, reduzindo a reinjeção que já supera a casa de 50% no pré-sal, é uma das grandes soluções para evitar o conhecido “efeito Tostines” que fomenta uma discussão eterna no país: o escoamento para a terra, que só se viabilizará se houver demanda pré-contratada que, por sua vez, só será constatada se existirem preços mais baixos, advindos do aumento da oferta. Esse impasse ainda não foi solucionado de maneira objetiva pela Nova Lei do Gás, o que levará o tema para a regulação e discussão via ANP.

Na oferta de energia em grande escala, o crescimento da competitividade de outras fontes energéticas, especialmente a energia eólica, frente à termoeletricidade em gás, fez com que, mais do que nunca, a discussão sobre o preço do gás nacional ganhe volume, não só pela competição pontual que começa a existir em relação ao gás importado, mas pela saída que virá da redução do impacto na tarifa final para consumidores, especialmente os industriais, que tem percebido, nos últimos anos, a tarifação com crescimento muito acima da inflação.

O tratamento tarifário do custo original da produção do gás, conhecido como preço da molécula, é algo que também vai ganhar espaço em debates nos próximos anos, principalmente dentro do contexto da discussão política sobre a apropriação do potencial ganho da produção nacional, e sobre o não tratamento do gás nacional como elemento vinculante à commodity energética de preços internacionais o que, consequentemente, leva à sua dolarização e também ao indesejável dispêndio de divisas no país por um energético que possuímos em abundância.

Neste contexto, se destaca a recente Medida Provisória da Eletrobras, transformada em Lei 14.182/21, que estipula a compulsoriedade de aquisição de energia térmica em regiões do país onde não existe produção de gás nacional que viabilize tais níveis de geração. Isso, certamente, é mais um elemento que irá contribuir para a dependência nacional do gás importado, e pode até reativar os níveis de demanda de instalações feitas no passado, quando se desejava reduzir tal dependência, como o próprio Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), desenvolvido a partir de uma modalidade de compra de gás do sistema take-or-pay e elaborado na década de 1990 em patamares extremamente elevados.

O fato é que o grande clamor de preços competitivos do gás natural surge especialmente do segmento industrial, diante da necessidade do aumento da competitividade, da exposição cada vez maior ao comércio internacional e, principalmente, da necessidade da cogeração elétrica, já que essa forma de geração distribuída, diante de eventuais crises futuras de oferta, acaba sendo não só o elemento de redução de custos mas, principalmente, uma questão estratégica.

Nessa linha, alguns estados têm grande potencial de apropriação dos ganhos de uma maior oferta. O Rio de Janeiro é um deles, não só pela chamada Rota 3, que entrará em operação em 2022 via Maricá, mas também pela nova rota prevista para entrar em Macaé, da operadora Equinor (5b). Se destaca como potencialidade, ainda, a implantação da Rota 4b do Complexo no entorno do Campo de Bacalhau, também da Equinor, entrando pela Baixada Fluminense via Porto de Itaguaí.

Tal infraestrutura pela Rota 4b desenvolveria um hub local, tendo em vista que as vantagens comparativas da entrada desse gasoduto por essa região da Baixada Fluminense são superiores em relação a outros locais, particularmente por questões ambientais voltadas à disponibilidade de recursos hídricos, à bacia aérea não contaminada e a potenciais demandas do setor siderúrgico ali localizadas, além da exportação de minério com projetos como HBI (Hot Briquetted Iron), da substituição de carvão das siderúrgicas existentes e até de iniciativas voltadas à produção de fertilizantes, por existir muita área plana para instalação de novas plantas e de uma UPGN próximos à entrada portuária.

Nesse mesmo contexto, o linhão de transmissão de 500KV que corta o país de Norte ao Sudeste, implantado pela chinesa State Grid e que conta com uma mega subestação em Paracambi, se coloca como um diferencial para instalação de um novo cluster para geração de termelétricas de gás.

Esse projeto conceitual, denominado Hub de Gás para o Desenvolvimento da Baixada Fluminense, é algo importantíssimo para o Rio de Janeiro e configura-se até como uma recompensa histórica sob o ponto de vista econômico e social, pelo elevado potencial de desenvolvimento da Baixada Fluminense, agora frontal à Bacia de Santos. Também é uma medida compensatória ao subsídio que, durante décadas, o Rio de Janeiro, como estado produtor, ofereceu a outros estados, em especial São Paulo, inclusive com gasodutos, transferindo sua produção e subsidiando com seu consumo instalações de importação como o Brasil-Bolívia que, aliás, ainda está ativo, sendo a maior rota de entrada de gás no país.

Na esteiras das oportunidades regionais, a instalação de plantas de regaseificação do GNL começam a proliferar no litoral não só do Nordeste, como em Sergipe, apesar das recentes descobertas naquele litoral e em outras localidades, diante da compulsoriedade de compra da energia térmica derivada da MP da Eletrobras, mas também em locais que eram considerados improváveis no passado como em Barcarena, no Pará, e até no Norte Fluminense, no Porto do Açu, alavancados por leilões de compra de energia pelo governo federal.

Na mesma linha, os principais atores começam a discutir uma política que dê consistência à previsibilidade tarifária dos reajustamentos do gás natural como insumos, considerando, inclusive, procurar a metodologia americana (Henry HUB). Mas isso é um tema que enseja debate profundo, pois a dolarização e o preço original devem ser praticados em bases competitivas, para inserção desse gás de fato na indústria nacional, criando uma referência própria, o que é um desafio ainda não equalizado.

Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e ex-conselheiro do CNPE

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