Opinião

A necessária discussão dos subsídios no setor elétrico

É imprescindível que a atuação do novo Congresso Nacional esteja pautada na racionalização dos subsídios e na defesa da modicidade tarifária de forma ampla e equilibrada, apontam Mariana Saragoça e Frederico Soares em artigo

Por Mariana Saragoça

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Ao longo dos últimos anos, em especial em razão dos impactos da pandemia do Covid-19 e do conflito entre Rússia e Ucrânia, o brasileiro voltou a conviver com elevados índices inflacionários que impactam significativamente o desenvolvimento econômico e social.

Dentre os grandes vilões, muito se falou sobre o preço dos combustíveis, gás natural e energia elétrica, este último também impactado por uma severa crise hídrica que obrigou o despacho de térmicas com preços significativamente mais elevados.

No caso específico da energia elétrica, além de seu efeito negativo direto aos consumidores – em especial os de baixa renda cujo percentual relevante da renda é utilizado para pagar as faturas de energia –, os efeitos são ainda mais severos por impactar toda a cadeia produtiva, os custos de produção de alimentos e produtos que, em última instância, também são repassados ao consumidor final.

Por todas essas razões, os índices inflacionários estão sempre no centro das discussões econômicas e políticas, em especial em anos eleitorais, e acabam por ser objeto de pressão usado pelos membros do legislativo e executivo.

É neste cenário que surgem medidas como o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 94/2022, proposto no âmbito do Congresso Nacional, e que tinha por objetivo sustar os efeitos de Resolução Homologatória por meio da qual a Aneel aprovou o reajuste tarifário anual de concessionária de distribuição de energia elétrica e cuja patente ilegalidade foi detalhada no artigo O Congresso Nacional entre a canetada e a redução estrutural das tarifas de energia, publicado em 30/05, e a Lei nº 14.385, de 27 de junho de 2022 que, dentre outros, disciplinou a devolução de valores de tributos recolhidos a maior pelas prestadoras do serviço público de distribuição de energia elétrica.

Para além destas medidas, também é de se reconhecer ações mais meritórias como a exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica e, especialmente, a limitação da alíquota do ICMS nas operações de energia elétrica, ambas estabelecidas pela Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022.

Neste ponto, embora as referidas medidas tenham por objetivo mitigar a elevação das tarifas de energia elétrica, é de se questionar se os fins justificam os meios, já que há fundamentados questionamentos acerca a legalidade/constitucionalidade do PDL nº 94/2022 e da Lei nº 14.385/2022 – e seus impactos no equilíbrio econômico-financeiro das concessões –, bem como sobre a relevante redução de arrecadação dos estados em razão da Lei Complementar nº 194/2022 que, em última instância, pode impactar em investimentos como saúde, educação e segurança pública.

Enquanto as concessionárias de distribuição trabalham pela manutenção do equilíbrio de seus contratos e União e Estados discutem a redução de arrecadação, há outra rubrica significativa das tarifas de energia elétrica – cerca de 12% – que não só parece ser intocável, mas vem crescendo sistematicamente ano após ano, quais sejam os subsídios.

Para tanto, basta observar a evolução dos valores da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) cobrado via tarifa de energia – e que saltou de cerca R$ 19 bilhões em 2018 para mais de R$ 32 bilhões em 2022.

Neste contexto, foi extremamente oportuna a criação do subsidiômetro, ferramenta desenvolvida pela ANEEL no fim deste ano e que detalha os subsídios pagos pelos consumidores nas faturas de energia elétrica.

Dentre os valores pagos até 01.12.2022, destaca-se os quase R$ 7 bilhões para fontes incentivadas, valores estes que ainda serão impulsionadas em razão do boom de solicitação de outorgas com o objetivo de manter os descontos nas Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição decorrentes da atuação do Congresso Nacional com a aprovação da Lei nº 14.120, de 1º de março de 2021, posteriormente facilitada por meio do Decreto nº 10.893, de 14 de dezembro de 2021.

Outro valor que chama atenção são os R$ 2,5 bilhões do subsídio para mini e microgeração distribuída e que, segundo a estimativas da Nota Técnica nº 192/2022-SGT/Aneel, para 2023 – considerando a parcela que irá compor o orçamento da CDE e a parcela já internalizada na estrutura tarifária – poderá chegar a R$ 5,4 bilhões.

Não fosse suficiente, ainda tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.703/2022 que, dentre outros, pretende ampliar os prazos de benefícios para os usuários com mini e microgeração distribuída o que, consequentemente, poderá impactar os valores dos subsídios acima indicados.

Isso sem contar os inúmeros “jabutis” que são incluídos em projetos de lei como, por exemplo, a exigência da contratação de usinas termelétricas em locais que que ainda não possuem infraestrutura de gás natural nos termos da Lei nº 14.182/2021.

Ou seja, os supostos principais interessados em conter os aumentos tarifários têm grande responsabilidade na manutenção e crescimento de subsídios que afetam diretamente as tarifas de energia, tornando o Brasil o país da energia barata e da conta cara.

É neste cenário que se entende imprescindível que a atuação do novo Congresso Nacional esteja pautada na racionalização dos subsídios e na defesa da modicidade tarifária de forma ampla e equilibrada, reduzindo as distorções atualmente existentes onde, em regra, os pequenos consumidores e consumidores de baixa renda acabam por suportar grande parte destes custos.

Para tanto, também é necessário que agentes e principalmente associações setoriais estejam imbuídas não apenas da defesa dos interesses de seus associados a qualquer custo, mas de verdadeiro espírito de contribuição para o desenvolvimento de um setor elétrico mais equilibrado e sustentável, bem como os órgãos e entidades do setor, tal como a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e a Empresa de Pesquisa Energética – EPE tenham a independência necessária para protagonizar as discussões com a sociedade acerca dos caminhos do setor elétrico.

Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no Setor Elétrico.

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