Opinião

Os impactos da mora para a geração distribuída

Ainda não foram publicados os atos/portarias definindo os procedimentos para que projetos de micro e mini GD possam ser enquadrados como prioritários para a emissão de debêntures incentivadas e fruição do Reidi

Por Mariana Saragoça

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Ao longo dos últimos anos, a exploração de ativos de micro e minigeração distribuída tem sido amplamente discutida no setor elétrico envolvendo quase todas as esferas e classes de consumidores, agentes, associações, Aneel, Ministério, Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional.

Este contexto de amplo debate, muitas vezes enviesado, acabou por produzir um cenário de insegurança jurídica, agravado pela demora das autoridades competentes em adotar as medidas necessárias ao equilíbrio do setor, como já havíamos levantado no artigo O necessário avanço da regulamentação da mini e microgeração distribuída, publicado há um ano.

Aqui, não se pretende adentrar no mérito dos benefícios/subsídios usufruídos pelos consumidores com micro e minigeração distribuída ou potenciais impactos (positivos e negativos) aos demais consumidores ou ao sistema de distribuição, mas, sim, tecer algumas considerações sobre os potenciais prejuízos causados pela demora das instituições em atuar no setor.

Inicialmente, vale lembrar que a Resolução Normativa ANEEL nº 687/2015, que alterou a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, já previa a revisão do modelo de exploração da micro e minigeração distribuída até o final do ano de 2019, o que começou a ser discutido com a instauração da Consulta Pública nº 01/2019, que acabou não sendo concluída pela Agência no prazo estabelecido na referida Resolução Normativa.

Naquela ocasião, a demora da regulamentação permitiu que a discussão perdesse seu caráter eminentemente técnico – comum às discussões ocorridas no âmbito das Agências Reguladoras – além de gerar um cenário de insegurança jurídica aos consumidores/investidores que perdurou até a publicação do novo marco legal instituído pela Lei nº 14.300/2022.

A referida Lei também previu, em seus artigos 30 e 31, que a Aneel e as concessionárias de distribuição deveriam adequar suas normas e procedimentos em até 180 dias, prazo relevante na medida em que a mesma Lei estabeleceu que o regime tarifário então vigente seria garantido aos interessados que solicitassem o acesso até janeiro de 2023.

No entanto, mais uma vez, o prazo legal foi descumprido, com a regulamentação do tema – Resolução Normativa ANEEL nº 1.059/2023 – sendo publicada mais de um ano após a Lei nº 14.300/2022 e, consequentemente, após o prazo limite para a solicitação de acesso e garantia do regime tarifário até então vigente. Nesse contexto, cabe observar que a referida discussão extrapola questões técnicas e regulatórias, podendo impactar diretamente o direito econômico dos agentes.

Antes mesmo da publicação da Lei nº 14.300/2022, o setor já discutia a possibilidade dos empreendimentos de micro e minigeração distribuída serem enquadrados como prioritários para a emissão de debêntures incentivadas bem como para fruição do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI. Naquela época, poderia ser questionada a necessidade de lei expressa que permitisse a extensão dos benefícios aos projetos de micro e minigeração distribuída já que tanto a Lei nº 11.488/2007 quanto a Lei nº 12.431/2011 previam a possibilidade de enquadramento de projetos no setor de energia.

De toda forma, dada a situação fática de não enquadramento de projetos de geração distribuída, o próprio texto da Lei nº 14.300/2022, enviado para sanção presidencial, previu a possibilidade de enquadramento dos projetos de micro e minigeração distribuída como prioritários para fins da emissão de debêntures incentivadas e para fruição do REIDI, o que acabou sendo vetado.

O Congresso Nacional levou cerca de 8 meses para avaliar e derrubar o veto.

Transcorrido mais de um ano da derrubada do veto e da publicação do texto legal que permite que projetos de micro e minigeração distribuída possam ser enquadrados com prioritários para a emissão de debêntures incentivadas e fruição do REIDI, ainda não foram publicados os atos/portarias definindo os procedimentos para requerimento do enquadramento.

A ausência da regulamentação vem impedindo que os agentes usufruam de benefícios garantidos por Lei, evidenciando, mais uma vez, que a demora pode impactar significativamente o direito dos agentes.

Aqui, mais uma vez, não há a pretensão de discutir o mérito dessas disposições ou avaliar se estas seriam necessárias ao desenvolvimento do setor, mas, sim, reforçar a extrema relevância de que as autoridades competentes atentem para os prazos estabelecidos e atuem com a celeridade necessária para atribuir efetividade às opções legislativas e regulatórias.

Tal providência é imprescindível não apenas para não prejudicar a robustez e a segurança jurídica do arcabouço normativo aplicável à geração distribuída, mas como também como uma sinalização importante para a confiança dos stakeholders do setor elétrico como um todo.

Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no setor elétrico.

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