Opinião

Possíveis caminhos para recuperação das concessões de distribuição

Em artigo, Mariana Saragoça e Frederico Accon elencam ideias para o enfrentamento dos desafios relacionados à sustentabilidade das concessões, em especial no contexto de discussão das regras para a prorrogação ou relicitação por parte da União

Por Mariana Saragoça

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Segundo atribuições definidas no texto constitucional e na legislação vigente, a exploração dos serviços e instalações de energia elétrica deverá se dar mediante concessão, permissão ou autorização da União, sendo o Poder Concedente responsável por regulamentar e fiscalizar os serviços prestados, zelar pelas condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

No âmbito do setor elétrico, não é exagerado afirmar que o setor de distribuição está no centro da regulação, muito em razão da sua essencialidade, sua condição de monopólio natural, sua capilaridade, seu contato direto com o consumidor final e sua condição de “caixa” do setor.

Não à toa, as distribuidoras de energia elétrica estão sujeitas a uma densa regulação setorial e à fiscalização contínua da prestação de seus serviços pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Ainda assim, ao longo dos últimos anos, o setor observou uma série de concessões de distribuição em relevantes dificuldades econômico-financeiras, que culminaram na precarização da prestação do serviço público e no descumprimento dos indicadores de qualidade e dos limites de perdas. Recentemente, o tema voltou ao centro das atenções em razão de discussões acerca da viabilidade de certas concessões de distribuição, como aquelas exploradas pelas concessionárias Amazonas Energia, Light e Enel RJ.

Neste artigo, pretendemos apresentar algumas medidas legais e regulatórias empregadas em casos pretéritos que podem ser úteis no estudo de alternativas com vistas ao enfrentamento dos desafios que se aproximam quanto à sustentabilidade das concessões de distribuição, em especial no contexto de discussão das regras para a prorrogação ou relicitação dessas concessões.

No histórico relativamente recente, o primeiro caso relevante ocorreu com a Celpa que, inclusive, passou por um processo de recuperação judicial.

Os impactos e riscos da referida medida foram tão significativos que, na sequência, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 577/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.767/2012, estabelecendo regras para possibilitar a intervenção em concessões em situação de dificuldade administrativa e econômica e afastando a possibilidade de concessionárias de serviços públicos de energia elétrica requererem recuperação judicial ou extrajudicial.

Já sob esse novo regime, o segundo caso de grande relevo tratou da recuperação judicial da holding do Grupo Rede Energia, que foi acompanhada da intervenção, pela Aneel, nas concessionárias de distribuição do grupo com o afastamento de sua administração.

À época, a solução encontrada para a recuperação do grupo e, em especial, das concessionárias de distribuição, foi a aprovação de um Plano de Recuperação e Correção das Falhas e Transgressões que, dentre outros, considerava (i) a transferência do controle acionário do grupo; (ii) a obrigatoriedade de aporte de recursos e quitação de dívidas; e (iii) a vedação de distribuição de dividendos acima do mínimo exigido pela legislação.

Por outro lado, o referido Plano aprovado também trouxe uma série de flexibilizações para viabilizar a recuperação das concessionárias como (i) um regime excepcional de sanções regulatórias sem a aplicação de penalidades por determinado período; (ii) a revisão dos limites dos indicadores de qualidade e perdas de energia; (iii) a destinação de recursos pela violação dos indicadores para investimentos na concessão; e (iv) o parcelamento de débitos referentes a encargos setoriais.

Também com o aprendizado destes processos, e após cobranças do Tribunal de Contas da União (TCU), a prorrogação das concessões de distribuição estabelecida na Lei nº 12.783/2013 – fruto da conversão da conhecida Medida Provisória nº 579/2012 – definiu as chamadas Condições de Prorrogação, estabelecendo trajetórias de melhoria para os indicadores de continuidade/qualidade e de sustentabilidade econômico-financeira que, se descumpridos, nos termos e prazos constantes dos Contratos de Concessão, poderiam ensejar a caducidade da respectiva concessão.

O aumento do rigor quanto aos referidos indicadores teve impacto direto na gestão das concessões de distribuição, havendo, inclusive, casos em que houve a apresentação de planos de transferência do controle acionário como alternativa à decretação da caducidade em concessões, como ocorreu na CEEE-D e, mais recentemente, na Enel Goiás (atual Celg-D).

Neste último caso, mais uma vez, o referido Plano de Transferência contou com algumas flexibilizações regulatórias como o afastamento da possibilidade de caducidade em razão de eventual descumprimento de indicadores de qualidade/continuidade e de sustentabilidade econômico-financeira por determinado período.

Outro caso de grande relevância no setor elétrico foi o tratamento conferido às concessionárias de distribuição controladas pelo Grupo Eletrobras e que optaram por não prorrogar suas concessões nos termos acima indicados.

Para estes casos, as concessões foram geridas sob o regime de designação que considerou, também, várias outras flexibilizações regulatórias e tarifárias incluindo (i) a alteração dos limites de perdas, em especial para o recebimento dos ressarcimentos da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC; (ii) a destinação de recursos de fundo setoriais e de eventuais compensações para investimentos nas concessões; (iii) o estabelecimento de regime excepcional de sanções regulatórias; e (iv) a flexibilização do limite de custos operacionais, este último, inclusive, utilizado como base para a proposta econômica apresentada para a desestatização destas concessionárias.

Como demonstrado, mesmo com um amplo arcabouço legal e regulatório e uma intensa fiscalização pela Aneel e demais órgãos de controle, o setor elétrico não está totalmente livre de desequilíbrios de recursos e gestão que possam colocar em risco a sustentabilidade da prestação do serviço público. Nesse contexto, nem sempre soluções estritamente de mercado são suficientes para restabelecer o equilíbrio de determinadas concessões e viabilizar sua recuperação.

Adicionalmente, há de se reconhecer a competência do Poder Concedente e da Aneel para avaliar e definir uma série de regras e flexibilizações que permitam o desenvolvimento sustentável do setor e a mudança de rota para a recuperação de determinadas concessões.

Neste sentido, é imperioso que o Poder Concedente avalie e adote estas medidas quando necessárias para manter a sustentabilidade do setor, de maneira geral, e de algumas concessionárias de distribuição, em particular, e, principalmente, que estas sejam definidas com a devida antecedência para evitar situações de irreversibilidade ou mesmo de alto custo para o setor e para os consumidores.

No cenário que se avizinha, com a abertura do mercado de energia e o término das concessões de distribuição, resta aguardar por uma definição tempestiva das regras do Poder Concedente que garantam a previsibilidade e a segurança jurídica imprescindíveis para a tomada de decisão e a realização dos investimentos necessários à recuperação destas concessionárias.

Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no setor elétrico.

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